25 de maio de 2010
Ansiedade
Números mostram que o aborto tem que ser debatido com urgência
Às vezes, a informação é tão contundente que, García Márquez que me perdoe – começar um texto com ela é o mais impactante. Começa assim, simples e diretamente, a matéria da revista Época: “Uma em cada sete mulheres brasileiras entre 18 e 39 anos já fez aborto”. O impacto derruba da cadeira, mas faz a gente voltar rapidinho pra ler o resto. Baseada no mesmo levantamento, o Estadão completa: aos 40 anos, uma em cada cinco brasileiras já abortaram. Os números sobem de 15% para 22%. De qualquer forma, chocante, triste.
Triste porque aborto com certeza não é divertido. As mulheres não o fazem porque é bacana, apesar de ilegal, como fumar maconha. O aborto é pesado. Além da questão física, da intervenção no corpo, a maior agressão é psicológica. Difícil entender a relação da mulher com a maternidade, mas com certeza é muito forte, e tirar um filho não parece ser uma brincadeira legal.
Mas uma em cada sete mulheres faz isso. Faz porque precisa, porque pôr um filho no mundo é ainda mais complicado do que fazer um aborto, porque não está pronta para assumir a responsabilidade, porque simplesmente não quer ter um filho no momento, porque foi irresponsável, sim, mas e daí? Claro que se tem que prevenir, que é o ideal, mas e depois que vem a gravidez? E os números têm comprovado que a prevenção não está dando conta do recado.
Caso de saúde pública
Um dos dados que a pesquisa traz é que, ao contrário do que se imagina, o aborto não é feito só por mulheres pobres. O número de casos se distribui em todas as classes sociais, com mulheres de todos os perfis. A diferença é que mulheres pobres não têm acesso a tratamento decente, dependem da boa vontade de médicos que ganham mal e trabalham demais. E vai saber se não vai encontrar algum falso moralista que condene a prática e discrimine a paciente. No caso das mulheres pobres, na hora do aborto, a sorte é muito mais importante do que para as endinheiradas. E contar com a sorte é extremamente arriscado.
Ao que se conclui que o aborto é, sim, uma questão de saúde pública. É ilegal, mas é feito em larga escala. E mais da metade das mulheres que o fazem acabam sendo internadas, o que mostra a gravidade da coisa. Feito sem cuidado, sem a devida atenção médica, pode causar dor, sequelas, morte. Uma cadeia de tristeza, de sofrimento.
A Pesquisa Nacional do Aborto foi financiada pela Fundação Nacional de Saúde e entrevistou 2.002 mulheres entre 18 e 39 anos em todo o país. Tem margem de erro de 2%.
Por que o aborto deve ser legalizado
Mas mais do que se tratar de saúde pública, o aborto deve ser um direito. Como exigir que uma mulher tenha um filho que não quer? O que vai ser da vida dessa mãe? Que tipo de criação vai ter uma criança dessas?
Chega a ser cruel ter um filho sem desejar tê-lo, às vezes sem dinheiro para mantê-lo com uma vida digna, às vezes sem condições para dar o amor e atenção de que necessita.
Muita gente procura saber de quem é culpa para evitar que novos abortos aconteçam. Tem a mulher, que se deixou engravidar. O homem, igualmente responsável e raramente mencionado. O governo, que falhou nas campanhas de prevenção. O Estado, que não dá a devida assistência social – mas peraí, elas não são pobres, não é falta de dinheiro. Então, de quem é a culpa? Não sei. Mas acho que essa discussão, sinceramente, é irrelevante.
A questão é que decidir o que fazer com o próprio corpo, com a própria vida, é um direito. Não importa quem errou, importa o que vem pela frente. Aí vem aquele discursinho de que depois que fez tem que assumir as consequências. É um sétimo da população feminina brasileira entre 18 e 39 anos! Não é uma questão de irresponsabilidade, pura e simplesmente. São todas criminosas? Devemos prendê-las? Talvez deixá-las sofrer com abortos mal-feitos, já que são todas culpadas? O pai, esse pode assistir. Quando está presente.
É engraçado que muitos dos que condenam o aborto são aqueles que viram a cara para a criança pedindo esmola. Muitos são a favor da pena de morte. A mesma Igreja que acoberta a pedofilia condena o aborto.
Falso moralismo, conservadorismo, cinismo, hipocrisia, demagogia, sei lá o nome que tem. Pra mim é maldade. Ser contra o aborto é defender que uma mulher seja obrigada a ter um filho que não quer. É ruim para a mulher, para a criança e até para aquele que é contra o aborto, que, em alguns dos casos, vai ter que conviver com um jovem que cresceu sem pai, ou sem acesso a bens e serviços mínimos, ou sem amor, ou sem que os pais tivessem tempo para se dedicar para ele. Tantas possibilidades…
O certo é que tem que haver um debate. Não dá pra fechar os olhos, tem que se discutir. Porque está acontecendo, é grave, é cruel com as mulheres e fingir que não existe não resolve o problema.